A escolha do vice-presidente de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 se deu em meio a incertezas, reviravoltas e até um quase escândalo. Quando a chapa já havia sido informada à Justiça Eleitoral, indicando o nome do príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, correu entre o núcleo da campanha a informação de que haveria um vídeo em que o descendente da família imperial aparecia envolvido em cenas constrangedoras. A gravação, por óbvio, jamais apareceu, o enredo fantasioso foi sumariamente negado, mas o candidato acabou substituído pelo general Hamilton Mourão. Na disputa à reeleição, o dilema se repetiu. Havia um rol de opções, mas o presidente optou mais uma vez por um general, o ex-ministro Walter Braga Netto. A dupla perdeu por uma diferença de 2 milhões de votos. Até hoje há quem aponte essa decisão como uma das causas da derrota nas urnas.

Faltando um ano para o novo pleito, a cadeira de vice volta a ser um enrosco para o campo da direita, agora no papel de oposição. Com Bolsonaro condenado, preso e inelegível, é natural que surjam candidatos alternativos e composições políticas para viabilizar uma chapa competitiva. Ambas as funções estão indefinidas — mas não por falta de postulantes. Pelo menos cinco governadores são cotados para assumir a candidatura à Presidência, enquanto há uma miríade de nomes se apresentando para o posto de vice.
A pressão por uma definição, já fervilhando nos bastidores, veio à tona na última semana e provocou um embate entre dois personagens importantes. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira, disse que só existem duas candidaturas viáveis para 2026: a dos governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Ratinho Junior, do Paraná. Pré-candidato, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, reagiu ao ver seu nome excluído e chamou de “vergonhosa” a ansiedade de Nogueira em se colocar como o vice de Tarcísio. “O Ciro não pode querer se comparar a Bolsonaro e dizer quem é o candidato e quem é o vice”, alfinetou Caiado. O senador ironizou a situação, dizendo que o governador “deve estar com tempo livre”.

As legendas do chamado Centrão se articulam para formar uma chapa que tenha um nome a ser definido por Jair Bolsonaro e outro oriundo de seus quadros — e é fato que Ciro Nogueira, que encontra dificuldades para a reeleição no Piauí, sonha com o posto de vice. Ele próprio já admitiu a pretensão por diversas vezes, inclusive para uma outra candidata à função, a senadora Tereza Cristina (PP-MS). “Eu vou brigar pelo posto, apesar de achar que seu nome é melhor do que o meu”, brincou com ela recentemente. Em 2022, Tereza Cristina, então ministra da Agricultura, também foi cotada para compor a chapa com Bolsonaro. Hoje, ela não rejeita a possibilidade caso receba essa missão — e não são poucos em Brasília que tratam como “imbatível” uma chapa TT (Tarcísio-Tereza). Há, porém, outros interesses em jogo que devem balizar a escolha do vice. Bolsonaro não abre mão de tentar formar uma chapa de sua estreita confiança, uma garantia de que não será abandonado em seu projeto de receber um indulto no futuro e também de olho em manter viva a sua relevância política. E nada é mais garantido do que ter um representante do clã na disputa.

Os nomes mais cotados dentro desse projeto familiar de poder são os do senador Flávio Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, além do improvável Eduardo Bolsonaro, que se autoexilou nos Estados Unidos. Flávio e Michelle foram as estrelas da caminhada realizada em Brasília na terça 7, em defesa da anistia ao ex-capitão e aos condenados pelo 8 de Janeiro. Antes do ato, Flávio misturou-se ao público e passou um bom tempo no centro de uma aglomeração de apoiadores que pediam por abraços e fotos com o senador. Já Michelle chegou num esquema de segurança mais reforçado e dirigiu-se diretamente ao carro de som, de onde rogou uma anistia ampla, geral e irrestrita para ajudar a pacificar o país. “Jair Messias Bolsonaro é o grande líder do Brasil, é o grande líder da direita. Foi o homem que governou, que não se corrompeu, não cometeu nenhum crime, não roubou os velhinhos, não tirou pensão dessas pessoas que são vulneráveis”, discursou.

A escolha do vice também serve para agregar ativos importantes para uma campanha, como o fundo partidário e o tempo de propaganda, além de parcelas do eleitorado que não necessariamente têm empatia pelo cabeça de chapa. Foi por isso que, em 2022, o presidente Lula optou por quebrar uma histórica rivalidade e convidou o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB) para formar uma parceria, mirando o eleitorado mais ao centro. No governo, Alckmin ganhou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e virou peça-chave nas negociações sobre o tarifaço imposto pelos Estados Unidos. A projeção recente ajudou o vice a se fortalecer na cadeira, cortejada como condição para que partidos, entre os quais o MDB, apoiem a reeleição do petista em 2026. Diante do fato de que o presidente melhorou sua popularidade nos últimos meses (leia a matéria na pág. 32), o poder de barganha das legendas diminuiu. “Eu não vou implorar para nenhum partido estar comigo — vai estar comigo quem quiser estar comigo. Eu não sou daqueles que ficam tentando comprar deputado. Quem quiser ir para o outro lado, que vá”, disse Lula durante discurso no Maranhão.

O recado acontece em meio a mais um embate que envolve os caciques do União Brasil e do PP. Em agosto, as duas legendas anunciaram a formação de uma federação de olho em integrar uma candidatura de oposição. À época, estabeleceram um prazo de trinta dias para que seus filiados abandonassem suas funções no governo Lula. Passado esse período, porém, ninguém abriu mão de seus cargos. Na cota do União Brasil, o partido de Caiado, dois ministros — Frederico Siqueira (Comunicações) e Waldez Góes (Integração) — foram poupados da regra, enquanto o chefe do Turismo, Celso Sabino, chegou a entregar uma carta de demissão ao presidente, mas não se levantou da cadeira. Na quarta 8, a executiva da legenda decidiu suspender Sabino por sessenta dias e fazer uma intervenção no diretório do partido no Pará, comandado por ele. Já o ministro do Esporte e vice-presidente do PP, André Fufuca, correligionário de Ciro Nogueira, foi afastado de todas as decisões partidárias e perdeu o comando da legenda no Maranhão por também desobedecer à ordem. Tanto Fufuca quanto Sabino vislumbram eleger-se ao Senado em 2026 e contam com o apoio de Lula, enquanto Ronaldo Caiado e Ciro Nogueira brigam pela chapa presidencial de oposição. A um ano da eleição, a tentativa de conciliar interesses tão peculiares e distintos ainda vai produzir grandes embates.
Com Veja