STF vê anistia debatida na Câmara como inconstitucional, e Alcolumbre vai propor texto alternativo no Senado

Após intensa negociação no Congresso sobre uma eventual anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já passaram o recado de que a iniciativa, caso prospere no Legislativo, deve ser barrada pela Corte por ser inconstitucional. Com o início do julgamento da trama golpista, a pressão para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados aumentou em Brasília, até mesmo com a admissão por parte do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de que discutirá o assunto ainda este mês. A proposta ganhou tração a partir de conversas envolvendo figuras importantes do Centrão, que veem chance de Bolsonaro apoiar uma candidatura à Presidência do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se houver uma concertação nacional a favor dos acusados de atentar contra as instituições democráticas.

Ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), também contribuiu para colocar o tema no centro do debate, ao afirmar que apresentaria uma alteração na tipificação do crime de abolição do estado democrático de Direito, o que poderia favorecer figuras secundárias nos ataques de 2023.

Em meio às costuras, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou em entrevista à GloboNews que a oposição tem os votos necessários no Congresso para aprovar uma anistia. O esforço do partido de Bolsonaro e de siglas do Centrão vai além e conta com a mobilização do próprio Tarcísio, que tem procurado ministros do STF para fazer um apelo a favor dos que estão na mira da Justiça.

Precedente Silveira

Na avaliação de um magistrado ouvido pelo GLOBO, contudo, caso um perdão seja aprovado no Congresso, “não dará em nada”, pois isso dificilmente estaria dentro da legalidade.

Magistrados ouvidos pelo GLOBO lembram que a Corte já invalidou, em 2023, uma tentativa de perdão ao ex-deputado Daniel Silveira. Em abril do ano anterior, Bolsonaro havia editado um decreto que beneficiava o aliado. A avaliação da maioria da Corte, contudo, foi que o dispositivo não poderia ser aplicado em caso de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

No julgamento do caso, o ministro Luiz Fux afirmou que crimes que atentem contra a democracia não podem ser objeto de anistia:

— Entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso, através de uma emenda, pode suprimi-la.

No caso da anistia em discussão no Legislativo, ministros do STF veem uma pressão entre parlamentares nem tanto para beneficiar Bolsonaro, mas para salvar envolvidos nos atos de 8 de janeiro.

Esses integrantes da Corte lembram que há no tribunal quem admita discutir anistia sem o ex-presidente como possível solução para “pacificar o Brasil”, mas dizem que essa não é uma ala majoritária.

Enquanto o perdão aos crimes pode avançar na Câmara, a intenção de Alcolumbre, no Senado, é levar uma proposta diferente para discuti-la com líderes da Casa.

— Eu vou votar o texto alternativo, é isso que eu quero votar no Senado. Eu vou fazer esse texto, eu vou apresentar — disse Alcolumbre na noite de anteontem.

Uma das ideias do chefe do Senado é diferenciar penas de acordo com o grau de participação no 8/1, como quem financiou e quem apenas estava na Praça dos Três Poderes, mas não cometeu vandalismo. Alcolumbre é contrário à proposta que tramita na Casa ao lado, defendida por bolsonaristas e que prevê beneficiar o ex-presidente.

Entre parlamentares, o movimento pró-anistia reúne PP, União Brasil, Republicanos e PL, em um esforço de cunho eleitoral. Há cerca de um mês, quando esteve com Bolsonaro em prisão domiciliar, Tarcísio foi autorizado pelo seu padrinho político a nacionalizar temas e passou a encabeçar a articulação pelo perdão.

Atuação de Tarcísio

A avaliação de caciques desses partidos, com apoios parciais em PSD e MDB, é que a anistia passou a simbolizar a consolidação de uma coalizão eleitoral para 2026. Nesse arranjo, a proposta funcionaria como condição exigida por Bolsonaro para apoiar Tarcísio, num pacto que fortalece o governador nacionalmente e unifica a oposição em torno de uma agenda comum.

O apoio de Tarcísio também traz o endosso dos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do Republicanos, Marcos Pereira, na visão de líderes partidários envolvidos nas articulações. Os dois chefes de partidos estão diretamente envolvidos na pressão para pautar o texto, ainda que, a interlocutores, não se comprometam com o mérito da iniciativa, sustentando que um acordo sobre o conteúdo ainda precisa ser ajustado.

Em Brasília desde terça-feira, Tarcísio se reuniu ontem no fim da tarde com Motta e Ciro Nogueira para falar sobre as negociações em torno da pauta e para avaliar o andamento do julgamento da trama golpista, que pode condenar Bolsonaro na semana que vem. À noite, já em São Paulo, o governador teve um jantar com o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ) e o pastor Silas Malafaia.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que Tarcísio mergulhou de cabeça na articulação. Já Valdemar Costa Neto reforçou o ponto de vista de que a intenção é beneficiar o ex-presidente.

— Estamos discutindo ainda o texto da anistia. Estamos em um ponto em que um cidadão é julgado sem direito à defesa. Bolsonaro era para estar sendo julgado em primeira instância. Vamos tentar incluí-lo depois.

O líder do PDT na Câmara, Mário Heringer (MG), reclamou das articulações e disse que elas sinalizam justamente emparedar o governo e o STF.

— Não há qualquer sentido do Legislativo fazer movimentos, nesse momento, que possam de uma maneira ou outra, parecer provocações ou desarmonia com Executivo e Judiciário. Movimentos bruscos ou abruptos podem refletir negativamente na nossa estabilidade democrática. Momento inoportuno.

A oposição avalia o inverso:

— Agora que o STF vai condenar Bolsonaro, queremos anistia para todos. Não existe mais anistia light. Isso era antes — disse Sóstenes.

Durante o julgamento da trama golpista, o relator Alexandre de Moraes mandou um recado sobre o debate de uma anistia:

— A impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação.

Diante do cenário, o governo decidiu que irá procurar Motta e líderes para tentar neutralizar a articulação pela anistia. O movimento tem sido interpretado por auxiliares de Luiz Inácio Lula da Silva como uma ação para rifar Bolsonaro e catapultar a candidatura de Tarcísio.

Articuladores do petista afirmam que não irão deixar o assunto correr solto na Casa. Uma ala entende a pauta da anistia fragiliza Hugo Motta, que já lida com a repercussão negativa da PEC da Blindagem Parlamentar e do projeto que aumenta número de cadeiras de deputados.

Em publicação nas redes, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, não tratou da anistia, mas fez uma menção indireta ao tema. Ela afirmou que quem estiver no governo precisa ter compromisso com a “democracia e o estado de direito”.

Com O Globo

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