PF abre inquérito para apurar ligação de Cícero com facções nas eleições de 2024

A Polícia Federal (PF) abriu um novo inquérito para investigar a suspeita de ligação do prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (MDB), com o crime organizado nas eleições de 2024. A investigação foi autorizada no mês de agosto pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), a pedido da Procuradoria Regional Eleitoral.

A redação tentou contato com a defesa do prefeito, mas as ligações não foram atendidas, nem as mensagens respondidas até as 18h50 desta terça (28).

O caso tramita em segredo de Justiça. Segundo apurou a reportagem, investigadores da PF estão analisando os fatos narrados e provas colhidas nas primeiras fases da Operação Território Livre, que chegou a prender a primeira-dama, Lauremília Lucena.

Agora, a PF tem um prazo para concluir a apuração, que pode ser prorrogado. Em seguida, a corporação devolverá o caso ao TRE, para que seja dado prosseguimento da ação, com a oferta de denúncia ou arquivamento.

O inquérito foi aberto a pedido da Procuradoria-Regional Eleitoral. Na solicitação encaminhada ao TRE, o órgão usou como base a apuração inicial conduzida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que declinou da competência de prosseguir com a investigação em respeito ao foro privilegiado do prefeito.

O juiz federal Bruno Teixeira de Paiva, ex-integrante do TRE, foi o responsável por acolher a manifestação e autorizar a nova frente de investigação. Para o magistrado, o pedido do procurador Renan Paes foi “juridicamente acertado, ao defender a instauração de inquérito próprio no TRE/PB para apuração da conduta do prefeito de João Pessoa”.

“Isso posto, acolho a manifestação ministerial para autorizar à Polícia Federal na Paraíba a instaurar inquérito, sob a supervisão deste Tribunal Regional Eleitoral, para investigar a concorrência e/ou participação do Prefeito da Capital/PB, Cícero Lucena Filho, nos crimes apurados neste Inquérito, sem prejuízo à apuração de outros que venham a ser descobertos no curso da investigação”, decidiu Bruno Teixeira.


Relações com facção

Ao declinar da competência para atuar no caso na 1ª Instância e pedir que houvesse andamento da investigação no TRE, os promotores eleitorais afirmaram, na peça que o MaisPB teve acesso, que Cícero, enquanto candidato à reeleição,
“beneficiou-se diretamente do apoio da facção Nova Okaida, havendo indícios de que se mantinha ciente das negociações ilícitas conduzidas por sua esposa, Maria Lauremília Assis de Lucena, com as lideranças da organização criminosa”.

Em troca do apoio, de acordo com os fatos narrados, a gestão da Capital garantia “nomeações em cargos públicos”. Para os investigadores,
“a operacionalização destes acordos ilícitos passava diretamente pela supervisão de Cícero Lucena”. A conclusão se deu por meio de comunicações interceptadas e documentos apreendidos.

“As investigações revelaram que durante o período eleitoral de 2024, esta influência territorial foi especificamente direcionada para beneficiar a candidatura à reeleição de Cícero Lucena. A facção criminosa impediu o acesso de outros candidatos às comunidades sob seu domínio, restringiu a circulação de material de campanha de opositores e promoveu ativamente a campanha do atual prefeito”, concluiu o MP.


Estratégia

Promotores entendem que, para se desvincular das ilegalidades, Cícero mantinha-se afastado das negociações com os criminosos, delegando à primeira-dama, Lauremília Lucena, a função de “interlocutora” com a facção. Mesmo assim, o gestor, na visão dos investigadores, tinha “constante supervisão” sobre a relação com traficantes.


Investigação aponta Cícero como “mandante”

“Adveio das investigações que Cícero Lucena agia como mandante e verdadeiro autor intelectual dos objetivos perquiridos pela organização criminosa”, mantinha “constante supervisão” sobre as atividades de sua esposa, conforme indícios colhidos até este momento. Embora aparentemente distanciado das negociações diretas, o prefeito era o principal beneficiário político do esquema de controle eleitoral, recebendo o apoio compulsório dos eleitores das áreas dominadas pela facção”, entendeu o MPE.


Manifestação do Ministério Público Eleitoral

O MPE destacou na manifestação diversos pontos que indicam o envolvimento de Cícero Lucena:

a) Beneficiário direto do esquema ilícito: Cícero Lucena era o principal beneficiário político do apoio eleitoral compulsório oferecido pela facção criminosa “Nova Okaida” para sua campanha à reeleição com a chapa “João Pessoa no caminho certo”.

b) Supervisão das atividades de sua esposa: Conforme indícios colhidos, Cícero mantinha constante supervisão sobre as ações de Maria Lauremília Assis de Lucena nas negociações com a facção criminosa, especialmente no direcionamento de vagas para cargos da eleição proporcional (vereadores).

c) Autor intelectual do esquema: O conjunto probatório aponta Cícero como mandante e verdadeiro autor intelectual dos objetivos perquiridos pela organização criminosa.

d) Controle sobre nomeações: O material probatório demonstra que Cícero exercia controle efetivo sobre as nomeações realizadas em decorrência dos acordos com a facção, estabelecendo critérios e prioridades.

e) Ciência do conluio criminoso: As comunicações interceptadas e documentos apreendidos indicam que o prefeito estava ciente da atuação do grupo criminoso e dos benefícios eleitorais obtidos.


Elementos usados pelo Ministério Público

a) Documentação apreendida: Um caderno encontrado na residência de Taciana Batista continha minuta de mensagem endereçada à primeira-dama, referindo-se à necessidade de aprovação e supervisão de Cícero Lucena para determinadas nomeações.

b) Comunicações interceptadas: Mensagens telefônicas e telemáticas revelaram que subordinados reportavam à primeira-dama situações que necessitavam da anuência ou ciência do prefeito.

c) Depoimentos e colaborações: Declarações prestadas por investigados indicam que o conhecimento sobre os acordos com a facção alcançava o gabinete do prefeito, com participação de assessores próximos.

d) Coincidência temporal e circunstancial: As nomeações acordadas com a facção coincidiram com momentos estratégicos da campanha eleitoral.

e) Busca e apreensão na residência oficial: A operação de busca e apreensão na residência de Maria Lauremília, também residência oficial do prefeito, coletou elementos que apontam para o conhecimento e participação de Cícero no esquema.


Abertura do inquérito

O inquérito na Polícia Federal foi aberto após autorização do TRE-PB, a pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, no final de agosto.

Para o procurador Renan Paes, ao analisar as provas produzidas pelo Ministério Público Eleitoral em conjunto com o Gaeco, concluiu-se que “há indícios da participação de Cícero de Lucena Filho no esquema criminoso”.

Paes, no entanto, entendeu que era necessário abrir uma nova frente de investigação para aprofundar o caso, não sendo possível à época, por exemplo, a oferta de denúncia formal contra o prefeito.

“Conforme se observa de diversas passagens do declínio do MPE, as evidências apontadas estão lastreadas em inferências de que Cícero estaria envolvido por ser o principal beneficiário político da aliança com facções criminosas e também em razão de ter dado aval, ainda que tácito, à sua esposa, para atuar como intermediária desses contatos. Embora se tratem de indícios da participação do prefeito de João Pessoa nos delitos apurados na Operação Território Livre, não existem, ainda, elementos de prova suficientes para lastrear uma acusação formal”, avaliou Renan.

No pedido de investigação, a PRE sugeriu a colheita de novos depoimentos, a decretação do afastamento do sigilo bancário, telemático e telefônico do prefeito, bem como demais diligências que a Polícia Federal entenda necessárias.

Com MaisPB

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