Após ficar dois anos sem partido, o ex-presidente Jair Bolsonaro se filiou ao PL em novembro de 2021, levando a reboque vários políticos, em um movimento que deu novos contornos ideológicos, mas principalmente de dimensão, à sigla. Nas eleições de 2022, apesar da derrota na disputa presidencial, as vitórias para outros cargos foram expressivas, transformando a sigla na maior do Brasil, com uma bancada de catorze senadores e 99 deputados que lhe garantiu um fundo partidário e eleitoral de quase 1 bilhão de reais. “O Bolsonaro foi quem fez o nosso partido chegar a esse patamar, a que nunca pensávamos que iríamos chegar”, admitiu o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na quarta 3. Esse mesmo Bolsonaro, porém, tornou-se agora o maior motivo de aflição da legenda.
A grande questão que assombra o partido é como se preparar para a eleição de 2026 sem o seu principal cabo eleitoral. Em prisão domiciliar há um mês, o ex-presidente está muito próximo de receber uma condenação à prisão por tentativa de golpe de Estado. A situação, que já é difícil, pode ficar pior, já que ele pode pegar uma pena pesada, em regime fechado. Dessa forma, não bastasse a inelegibilidade, o ex-capitão ficaria impedido de fazer campanhas nas ruas ou subir em palanques de aliados, dificultando tremendamente a vida do PL nas campanhas eleitorais de 2026.

A situação, a pouco mais de um ano do pleito, não é nada confortável. Nos dez maiores colégios eleitorais do país, o partido só tem candidatos a governador em dois estados: Santa Catarina, com a campanha à reeleição de Jorginho Mello; e Rio Grande do Sul, onde Luciano Zucco, líder da oposição a Lula na Câmara, desponta bem nas pesquisas. Em Santa Catarina, um dos estados mais bolsonaristas (o ex-presidente teve 70% dos votos em 2022), há um problema que só o ex-presidente pode resolver, já que foi ele que o criou. Ele fez chegar a Valdemar que o seu filho, Carlos Bolsonaro, iria tentar uma vaga no Senado pelo estado, já que o campo da direita está congestionado no Rio de Janeiro. O filho Zero Dois já foi até lá para fazer pré-campanha, mas sua pretensão encontra resistências. A deputada federal Caroline De Toni também quer a vaga e tem o apoio de prefeitos e da militância do PL. A outra vaga na chapa da direita está reservada ao senador Esperidião Amin (PP), que vai tentar a reeleição. “O Amin nós queremos: eu, o Bolsonaro, o governador. A Carol é muito querida. Ela volta para deputada”, disse Valdemar. A parlamentar reagiu. “Estamos há um ano das eleições, muita coisa pode acontecer. Não pretendo recuar”, retrucou. Para complicar, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro apoiou a deputada. “Minha senadora”, postou nas redes.
Outro exemplo do momento de confusão da sigla é o Rio de Janeiro. Maior colégio eleitoral comandado pelo partido e reduto do clã Bolsonaro, o estado está à deriva para 2026. O governador Cláudio Castro, que não pode disputar a reeleição, não tem um sucessor para o cargo. Ele chegou a apoiar o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (que é do União Brasil), mas parece ter desistido após o escolhido meter os pés pelas mãos nas curtas passagens como interino no cargo. Além disso, o PL, liderado pelo senador Flávio Bolsonaro, não estaria disposto a apoiar alguém de outro partido. Para complicar, a chapa ao Senado não tem vaga livre (uma é de Flávio, a outra seria de Castro), mas há mais interessados, como o senador Carlos Portinho, do PL, que já disse que vai tentar outro mandato.

Em São Paulo, há a expectativa de que o governador Tarcísio de Freitas migre do Republicanos para o PL caso realmente decida concorrer ao Palácio do Planalto. Nessa hipótese abre concorrência entre nomes à direita para lhe suceder no Palácio dos Bandeirantes. O PL está mal posicionado nesse páreo — seu maior nome, o presidente da Assembleia Legislativa, André do Prado, teria 4,5% das intenções de voto, segundo o Paraná Pesquisas. Na disputa ao Senado por São Paulo, o PL ficou sem Eduardo Bolsonaro, que tinha uma vitória considerada certa. Em Minas Gerais, fala-se no deputado Nikolas Ferreira como possibilidade ao governo, mas, apesar de aparecer bem nas pesquisas, ele nunca se afirmou candidato e não vem fazendo articulações, além de possuir boa relação com o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), que vai bem nas pesquisas e se movimenta cada vez mais nesse sentido.
Em meio ao momento difícil na definição dos palanques para 2026, o PL pode ter outro problema: perder a hegemonia na direita. Nos últimos dias, consolidou-se a União Progressista, federação entre PP e União Brasil que já nasceu como o maior agrupamento de direita no Congresso, onde tem o presidente, senador Davi Alcolumbre (União Brasil). Além disso, o PSD, de Gilberto Kassab, vem filiando governadores e prefeitos e aumentando sua musculatura para se cacifar numa empreitada presidencial de Tarcísio. Fora isso, o Republicanos, além de Tarcísio, comanda a Câmara, com Hugo Motta.

Como se já não tivesse problemas suficientes, o PL tem de lidar com o radicalismo de parte da legenda, representado especialmente pelo deputado Eduardo Bolsonaro. A partir dos Estados Unidos, o Zero Três lidera campanha contra o STF, o Congresso, os próprios aliados e o país. Sabendo do tamanho do espólio eleitoral do pai, ele vem tensionando cada vez mais a negociação pelo apoio de Bolsonaro para impedir uma transferência completa de votos para fora da família neste momento — o que inclui cogitar uma candidatura do clã ao Palácio do Planalto. “O cálculo que vai ser feito pelo PL depende de variáveis: o quanto o bolsonarismo vai estar isolado ou não no ano que vem; se ele vai se radicalizar, com pautas antidemocráticas; e se o Valdemar vai conseguir levar o Tarcísio para o PL ou não”, avalia o cientista político da FGV Eduardo Grin.
Apesar de o desafio de não poder contar de forma mais ativa com Bolsonaro em 2026 já estar posto na mesa para o PL, há aqueles que minimizam as dificuldades. O ex-ministro Gilson Machado, que quer disputar o Senado por Pernambuco, mas enfrenta resistências locais, diz acreditar que a liderança será herdada pelos filhos de Bolsonaro, que ficariam responsáveis por fazer os acertos nos estados. Outra liderança chegou a dizer que uma visita de Valdemar a Bolsonaro na prisão seria o suficiente para “resolver o Brasil em trinta minutos” e que “um bilhete enviado por ele, às vezes, valeria mais do que sua presença”. A comparação mais óbvia é com Lula, que mesmo preso articulou politicamente em 2018. “Lula seguiu dando as cartas da campanha naquele ano. Então, Bolsonaro estar preso não é impeditivo. Mas é claro que o bolsonarismo vai ter mais dificuldades com a sua principal liderança não podendo percorrer o país, fazendo campanha em palanque. Eduardo e Michelle não têm o mesmo carisma e capacidade, embora carreguem o mesmo sobrenome”, comenta Grin.

O problema seria menor se o PL, em sinal de gratidão, não tivesse hipotecado a Bolsonaro a competência quase exclusiva para promover as negociações políticas, as indicações de candidatos e desatar nós regionais. “Continua sendo ele quem vai decidir. É ele quem tem os votos”, reafirmou Valdemar. Segundo ele, o secretário-geral do PL, senador Rogério Marinho, também terá papel fundamental na construção de palanques, como foi em 2024.
Fundado em 1985, o PL tem uma história errática. Apoiou Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Bolsonaro e transitou da direita à esquerda guiado só pelo instinto de sobrevivência. Com o bolsonarismo, deixou de ser um partido médio do Centrão para se credenciar como porta-voz da direita e um gigante no Congresso. Com Bolsonaro fora do jogo, a sigla terá um duro caminho a percorrer para manter o lugar que conquistou.
Com Veja