Na fria terça-feira paulistana, 1º, durante o chamado “pinga-fogo” (momento reservado a discursos), o clima esquentou na Assembleia Legislativa de São Paulo, não por discussões sobre temas de interesse do estado, mas pelo embate entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador Tarcísio de Freitas. “Tarcísio é candidato a presidente da República e o que é importante para ele? Que Bolsonaro não se habilite, porque ele quer o lugar do Bolsonaro”, apontou o deputado Paulo Reis (PT). Do outro lado, Danilo Campetti, do Republicanos de Tarcísio, questionou o esforço da oposição para derrubar propostas do governador. “A esquerda votou contra um projeto de combate à pobreza (SuperAção). Pode ter divergência, mas votar contra? Mas trabalham para aumentar imposto, mesmo com o governo federal batendo recorde de arrecadação”, atacou. Em outro momento, Emídio de Souza (PT), amigo de Lula, disparou contra o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por propagar nos Estados Unidos a tese de que o Brasil vive um regime de exceção. “O país não está perto de virar ditadura. Viraria se não tivéssemos derrotado o 8 de Janeiro”, afirmou. A nacionalização do debate no Legislativo paulista tem se tornado não só mais frequente, como é embalada por um motivo bastante claro: o petismo enxerga cada vez mais em Tarcísio o adversário que terá de ser batido por Lula em 2026.

A mobilização do PT ocorre para desgastar ao máximo o governador, criticando principalmente os pontos da gestão estadual que consideram frágeis sob a ótica eleitoral, como a instalação de pedágios (serão 113 novos pórticos na modalidade free flow, que não tem cabines), a privatização da Sabesp (a liderança do PT procurou o sindicato dos trabalhadores da empresa para colher queixas sobre o serviço prestado após a privatização da companhia na atual gestão) e a insatisfação de parte do funcionalismo (inclusive com a possibilidade de greves que possam arranhar a imagem de Tarcísio). Também está em prática um acompanhamento minucioso dos processos do governo no Tribunal de Contas do Estado em busca de irregularidades em contratos assinados pela atual gestão. Os petistas ainda têm investido em comparações entre as realizações de Lula e Tarcísio, tanto por meio de panfletos virtuais nas redes sociais quando por material exposto no plenário da Alesp.
A tropa de choque no ataque a Tarcísio tem conexões com nomes em ascensão no petismo. Na Alesp, a ofensiva tem à frente a líder da minoria, Thainara Faria (PT), ex-vereadora de Araraquara e ligada ao ex-prefeito da cidade Edinho Silva, favorito na eleição à presidência do PT e nome cotado também para comandar a campanha de Lula no ano que vem. Outro aliado importante é Antonio Donato, líder da federação PT-PCdoB-PV na Assembleia e candidato a presidir o petismo no estado, com o apoio tanto de Edinho quanto de Rui Falcão, outro postulante a presidente nacional da sigla. O PT faz eleições neste domingo, 6, para renovar a sua direção em todo o país de olho em 2026.

Enquanto seus soldados empunham as armas no aquecimento para o ano que vem, as faíscas entre Tarcísio e Lula também se intensificaram nos últimos dias. Um dos campos de batalha tem sido a Favela do Moinho, uma ocupação irregular na região central da capital que é alvo de grande ação de remoção capitaneada pelo governo do estado, mas em parceria com o governo federal, dono do terreno. Quando começou a retirada das famílias, o governo paulista enfrentou críticas diante dos confrontos entre policiais militares e moradores. No dia 26 de junho, Lula foi ao local assinar um acordo que prevê subsídio de 250 000 reais a cada morador para uma nova casa. No evento, criticou quem diz que o local é reduto da facção criminosa PCC — o que foi apontado por investigações da Polícia Civil e do Ministério Público. “Na cabeça de muita gente da elite brasileira, pobre e gente que mora em favela é sempre considerado bandido”, disse. Ele lembrou que Tarcísio não quis ir ao ato. “O governador foi convidado para vir aqui. Eu só quero que saibam: agora vocês estão sob os cuidados do governo federal, e nós vamos respeitar vocês”, discursou. Tarcísio, ironicamente, tinha agenda em São Bernardo do Campo, berço político de Lula, de onde respondeu. “Tem muita gente que gosta de falar. A gente gosta de fazer. A política habitacional do estado de São Paulo é uma política com entrega real”, disse.
O acirramento do fogo contra Tarcísio também tem mobilizado gente graúda do petismo. De volta à política com desenvoltura, o ex-ministro José Dirceu, ex-presidente do PT, vinha alertando desde março que o governador já havia sido abraçado pela “elite de São Paulo” e que a esquerda não deveria se iludir porque ele não representava nenhum tipo de bolsonarismo moderado. “Tudo indica que os partidos de direita vão buscar um candidato único, se Bolsonaro permitir, que seria o Tarcísio de Freitas. Mas ele não é invencível”, ressaltou em entrevista recente. Outros caciques da sigla, como a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, também intensificaram os ataques ao governador.

Com Bolsonaro inelegível e correndo o risco de ser preso no processo da tentativa de golpe de Estado, o nome de Tarcísio começa a ganhar tração também entre os políticos. Pesquisa Quaest da última semana mostra que 49% dos deputados federais acham que ele será o candidato da oposição a Lula — essa percepção cresceu 10 pontos percentuais em relação à sondagem de maio de 2024. Para reforçar o movimento, 51% disseram que Bolsonaro deveria abrir mão da candidatura — mesmo inelegível, ele tem dito que vai insistir na Justiça até o último minuto. O último levantamento do Paraná Pesquisas, de meados de junho, mostra Tarcísio como o nome mais forte fora do clã Bolsonaro para derrotar Lula: ele teria 43,6% contra 40,1% do petista em um eventual segundo turno. O bom desempenho não se compara ao favoritismo que Tarcísio ostenta na disputa por um novo mandato de governador, na qual poderia até ser reeleito no primeiro turno. “Ele tem uma decisão difícil, pois tem uma reeleição muito bem encaminhada. Eleição presidencial são outros quinhentos”, diz Murilo Hidalgo, do Paraná Pesquisas.

Tarcísio se equilibra como pode diante da pressão crescente para se decidir pela disputa ao Palácio do Planalto. No último ato da Avenida Paulista, discursou ao lado do ex-presidente e centrou fogo no governo Lula. “Destruíram tudo. O Brasil não aguenta mais o PT. A gente quer ver fora o PT!”, bradou, acrescentando que o ex-presidente ainda há de “contribuir muito” para o Brasil. Não passou despercebido, no entanto, que ele não tenha disparado críticas ao STF, a despeito de o mote do ato ter sido a suposta perseguição da Corte a Bolsonaro. “Do que adianta pagar de amigo, fazer cena emprestando o Palácio dos Bandeirantes para Bolsonaro dormir e querer posar de aliado, mas, na hora do vamos ver, não ter coragem de apontar os abusos que o presidente vem sofrendo?”, questiona um nome próximo à família Bolsonaro. “Quem defende a democracia tem que se comprometer com esse indulto a Bolsonaro e aos condenados pelo 8 de Janeiro”, disse a VEJA o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Eduardo Bolsonaro mandou mensagem cifrada em vídeo. “O principal recado que fica é para você, eleitor, prestar atenção. Quem compareceu? Quem não compareceu? Como é que foram os discursos? Quem é que faz o embate?”, disse.

Uma das ausências mais notadas foi a da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, também cotada para a Presidência. O fato de não ter ido, somado às várias versões dadas para a ausência, gerou especulação sobre a motivação, inclusive a de que teria perdido espaço na briga para ser a herdeira eleitoral de Bolsonaro. A Quaest mostra que o percentual de deputados que acreditam que Michelle será a candidata do bolsonarismo caiu de 15% em maio de 2024 para 6%. Com o governador ganhando protagonismo, aumenta o receio, sobretudo na ala próxima a Bolsonaro, de que o ex-presidente seja “abandonado” e que o governador articule, inclusive, uma chapa com nomes de outros partidos que não o PL. “Tarcísio não cumpre acordos, nunca foi um aliado, de fato, do bolsonarismo e, desde o início de sua gestão, governa com e para o PSD de Gilberto Kassab”, dispara um aliado do ex-presidente. Por essa razão, uma das condições para Bolsonaro sair de cena é que a chapa tenha alguém com o seu sobrenome, mesmo que não seja na cabeça. A movimentação recente vem mostrando que, para construir a sua candidatura ao Planalto, Tarcísio terá de cruzar um campo altamente minado e se esquivar tanto do tiroteio cerrado da esquerda quanto do “fogo amigo” da direita.
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