Já os pragmáticos de direita, pressionados pela gritaria contra o STF, vêm adotando a cautela – ao menos por enquanto
“Traidor”, “raposa”, “camaleão”: foi com essas palavras que o pastor Silas Malafaia, o principal articulador dos atos de rua a favor de Jair Bolsonaro, se dirigiu na última semana ao senador Ciro Nogueira, presidente do PP e um dos caciques do Centrão mais envolvidos na defesa política do ex-presidente. O motivo: o ex-titular da Casa Civil de Bolsonaro disse que não iria assinar pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado porque eram nulas as chances de aprovação. O mesmo Malafaia já havia criticado na Avenida Paulista os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais), Ratinho Junior (Paraná) e Ronaldo Caiado (Goiás) por não terem ido às manifestações do dia 3. “Cadê aqueles que dizem ser opção a Bolsonaro? Era para estarem aqui. Vão enganar trouxa! Estão com medo do STF, né?”, disse. Os ataques do mais estridente porta-voz do ex-presidente nas ruas é um bom exemplo, mas não o único, de como o radicalismo em alta após a prisão domiciliar do capitão vai pressionando os aliados do centro à direita. Por ora, no entanto, isso está provocando um efeito colateral, que é o isolamento cada vez maior dos bolsonaristas.
O principal motivo para o distanciamento é a insistência em pautas difíceis de carregar, por motivos bastante claros: além de desarrazoadas, são rejeitadas pela maioria da população. Segundo pesquisa Datafolha feita nos dias 29 e 30 de julho, a maior parte dos brasileiros rejeita anistia a Bolsonaro e aos envolvidos nos distúrbios do 8 de Janeiro, aprova as medidas impostas por Moraes, como o uso de tornozeleira (a pesquisa foi feita antes da prisão domiciliar), condena o tarifaço político imposto por Trump e discorda da tese de que há uma perseguição judicial contra o ex-presidente (veja o quadro). A pouco mais de um ano das eleições, quando governadores de oposição podem tentar o sonho presidencial, abraçar teses rejeitadas não é nada sedutor.

O radicalismo na base do “ame ou deixe-o” adotado pelos apoiadores mais aguerridos de Bolsonaro é estimulado por gente graúda próxima ao ex-presidente. Além de Malafaia, incentivam a tropa o deputado Eduardo Bolsonaro (autoexilado nos Estados Unidos e entusiasta da ofensiva trumpista), seu aliado em solo americano, o jornalista Paulo Figueiredo, e parlamentares como o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Sóstenes Cavalcante, que lideraram um motim no Congresso pela aprovação de pautas como anistiar Bolsonaro e cassar Moraes. Por outro lado, dissidentes, como o deputado Antonio Carlos Rodrigues (SP), filiado ao PL desde 1990, antes de o bolsonarismo existir, teve sua expulsão da sigla anunciada por defender Moraes e criticar Trump. Não à toa, nesta legislatura, o PL foi o partido que mais perdeu deputados: dois foram cassados e doze migraram para legendas como PP e Republicanos.

Os governadores de centro-direita que sonham com um projeto presidencial em 2026 sabem que não podem se afastar totalmente do circuito bolsonarista — sem o apoio do ex-presidente, acreditam, não há projeto viável. Espremidos entre a necessidade de reagir ao tarifaço e ainda assim acenar aos radicais brasileiros, os presidenciáveis tiveram uma rara sintonia no apoio ao ex-presidente no episódio envolvendo a prisão domiciliar: todos criticaram a decisão de Moraes. “Excesso desmedido do ministro. As decisões monocráticas, de certa maneira, ultrapassaram seus limites”, disse Caiado. “Não será com ativismo, seja de qualquer parte, que iremos construir um novo país”, afirmou Ratinho Jr. “Vale a pena acabar com a democracia sob o pretexto de salvá-la?”, disse Tarcísio. Há limites, porém, que nunca são ultrapassados, como pedir o impeachment de Moraes. Tarcísio já deu sinais ao bolsonarismo de que é favorável a uma anistia ao 8 de Janeiro, mas é atacado por não articular para isso. “Tarcísio é bom para administrar, mas não fala sobre impeachment de Moraes, sobre erros do STF”, diz uma pessoa próxima a Bolsonaro.
O vendaval provocado pela intervenção americana na política brasileira pode ter, no entanto, o condão de libertar a direita moderada do culto cego ao bolsonarismo. “Essa faixa de apoiadores radicais é muito vocal nas redes sociais. Causa uma perturbação aos governadores. Mas, do ponto de vista eleitoral, não vejo um governador mais ao centro perdendo com isso. Ele não pode abrir mão do bolsonarismo radical, mas existe um eleitor buscando um candidato de centro”, afirma Cila Schulman, CEO do Ideia Instituto de Pesquisa. Ela lembra que a grande maioria dos potenciais adversários de Lula e da esquerda em 2026 não está na extremidade ideológica. “O tarifaço abriu caminho para uma candidatura de centro ou de um outsider”, completa a especialista.

Mais do que o engajamento ao lado de Bolsonaro, é o desdobramento econômico da crise que vai indicar se haverá — e quem será — o adversário competitivo de Lula. “A economia é um dos fatores que mais influenciam as eleições. No mensalão, a economia ia bem e o escândalo não foi suficiente para derrubar Lula. Já Dilma foi derrubada a partir de uma crise econômica mais severa”, lembra o cientista político Paulo Ramirez, professor da ESPM. Segundo ele, as redes sociais e as pesquisas têm demonstrado que uma visão de mundo que valorize os interesses nacionais tem cativado mais a opinião pública. “Parte desse setor estava abraçado com o bolsonarismo, mas se viu prejudicado por ele”, diz.

O radicalismo de direita, no entanto, não dá mostras de que vai baixar a guarda. “Vamos para o tudo ou nada”, proclama o senador Eduardo Girão (Novo-CE), ecoando um mantra, declarado ou não, que move os bolsonaristas nos últimos dias. Para eles, a adesão às manifestações de 3 de agosto em todo o país foi uma grata surpresa e serviu de combustível para estimular a claque mesmo após a prisão do ex-presidente. Segundo membros do PL, a atuação de Moraes e a cristalização da imagem de perseguido político de Bolsonaro deverão inflamar os próximos atos de rua que já estão sendo programados para 7 de setembro. “Se conseguimos esse tanto de gente em São Paulo sem a presença de Bolsonaro, imagine a multidão que vamos reunir no dia 7 após todos esses absurdos que estão acontecendo”, diz um aliado do ex-presidente. Enquanto isso, deve crescer a pressão para que partidos do Centrão que têm assentos no governo Lula escolham, afinal, de qual lado vão ficar. “PP, União Brasil, PSD, Podemos, eu sei que nesses partidos tem muitos patriotas. Mas não adianta largar a canoa furada em março do ano que vem, tem que ser agora, em agosto”, disse Malafaia no último ato na Paulista. O que está havendo até agora, no entanto, é o contrário. Pressionados pela gritaria dos radicais, os pragmáticos de direita vêm adotando a cautela — pelo menos até segunda ordem.
Com Veja