O ex-presidente Jair Bolsonaro apresentou na noite desta quinta-feira, 6, sua primeira defesa formal no caso da tentativa do golpe de estado, no Supremo Tribunal Federal (STF). Na petição, que tem 129 páginas, ele argumenta que seu caso deveria ser julgado no plenário da Corte e aponta várias nulidades que o atingiriam, desde as primeiras investigações, quando ainda estava na Presidência da República. Além disso, há um pedido para que seja implementado o juízo de garantias — algo que nunca saiu do papel no Judiciário brasileiro.
O próximo passo, agora que a defesa foi apresentada, deve ser a análise da denúncia pelos ministros do Supremo. Se eles a aceitarem — negando os argumentos de Bolsonaro — o ex-presidente se sentará de vez no banco dos réus.
“Parece ser inadmissível que um julgamento que envolve o ex-presidente da República não ocorra no Tribunal Pleno”, diz a defesa. “E não se diz isso apenas em função da envergadura do caso, do envolvimento de um ex-presidente e de diversos ex-ministros de Estado. A necessidade deriva da Constituição Federal e do Regimento Interno dessa Suprema Corte”, argumentam os defensores do ex-presidente, Celso Vilardi, Paulo Amador da Cunha Bueno e Daniel Tesser. A tentativa de levar o caso ao plenário tem por objetivo explorar divergências em relação a Moraes.
O acesso às mídias brutas que instruem a investigação, principal argumento que os advogados de Bolsonaro usaram para tentarem conseguir mais prazo, também foi reiterado na petição desta quinta. “O processo está sendo iniciado de forma desigual, porque a defesa deveria ter acesso ao todo e não à parte eleita pela acusação. Depois de muita insistência, há poucos dias vieram aos autos apenas recortes de alguns áudio”, diz trecho da defesa.
Os advogados de Bolsonaro afirmam que foram cumpridos 38 mandados de busca e apreensão, mas às defesas foi liberado um HD que contém apenas o espelhamento de sete celulares. “O que vem sendo entregue à defesa é só o que foi antes selecionado pelos órgãos persecutórios, impedindo-se a análise de elemento probatório de forma completa e sem cortes.”
Juízo de garantias
O ponto inédito da defesa de Bolsonaro é um pedido para que, no caso dele, seja aplicado o juízo de garantias, uma figura que nunca foi regulamentada na legislação brasileira e que teria como função fiscalizar as investigações, para que elas respeitem os direitos fundamentais processuais. O próprio Supremo decidiu, em 2023, que o juízo de garantias era obrigatório nos inquéritos, mas essa figura, para existir na prática, ainda precisa de ações concretas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Privilégio ou direito, é certo que as decisões desse E. Supremo Tribunal Federal não têm instância revisional ou recursal e exatamente nisto suas ações penais originárias se diferem de todas as demais – o que justifica um tratamento também diverso quando o tema é o juízo de garantias”, diz trecho da defesa. O argumento tem uma clara referência às decisões do ministro Alexandre de Moraes, que é chamado, em determinado ponto da defesa, de “juiz instrutor”. “O presente caso traz inúmeras medidas que, implementadas, até hoje não foram analisadas pelo colegiado ou, se o foram, tal só se deu depois de elas estarem cristalizadas.”
Nulidades nas investigações
Os advogados do ex-presidente também argumentam que há nulidades desde o inquérito nº 4.878, que apura o vazamento de dados sigilosos de investigações do Supremo. Esse caso foi se desdobrando até chegar no da tentativa de golpe. Se reconhecida, a nulidade provoca um “efeito dominó” que anula todos os demais atos que vieram depois.
Além disso, a defesa também aponta que, ao longo das investigações, Moraes teria ordenado várias diligências “de ofício” (sem pedido do Ministério Público), o que também anularia vários atos. “A determinação de diligências probatórias e cautelares sem qualquer provocação da autoridade policial ou da Procuradoria-Geral da República afasta o magistrado de sua posição constitucionalmente demarcada dentro do sistema acusatório, comprometendo a imparcialidade exigida pelo modelo constitucional vigente.”

O acordo de colaboração premiada de Mauro Cid não ficou de fora. A defesa de Bolsonaro pediu que ele seja anulado por conta de áudios, revelados por VEJA, nos quais o tenente-coronel teria admitido que mentiu. “Em qual versão devemos acreditar? Na ausência de voluntariedade ou no suposto desabafo? Como confiar num delator que desacredita sua própria delação? Pode o Poder Judiciário oferecer uma oportunidade de o Colaborador se corrigir?”, diz a defesa.
8 de janeiro
A participação de Bolsonaro no 8 de janeiro também foi negada pelos seus advogados. Eles afirmam que não existem provas concretas que liguem o ex-presidente aos atos dos radicais e que não há, tampouco, qualquer pedido dele aos manifestantes.
De acordo com a defesa, a responsabilidade do ex-presidente não pode ser “presumida”. “A eventual responsabilidade de Jair Bolsonaro não pode ser presumida a partir de discursos ou supostas reuniões. É preciso encontrar uma ação ou omissão dele que permita vincular seu agir aos resultados naturalísticos do dia 8 de janeiro.”
Com Veja