A um ano das eleições, disputas estaduais ainda são tomadas por incertezas

Embora a corrida ao Palácio do Planalto seja a “joia da coroa” das eleições de 2026, não há partido que não considere a disputa por governos estaduais e cadeiras legislativas igualmente crucial para o mapa político que será redesenhado quando se fecharem as urnas. Primeiro, porque o bom desempenho para o Congresso é fundamental na distribuição das generosas fatias de dinheiro público às siglas, hoje superior a 6 bilhões de reais. Segundo, porque 54 das 81 cadeiras do Senado estarão em jogo, o que torna a tomada de seu controle fundamental em um momento de radicalização. Além disso, há boas perspectivas de mudanças nos estados, cujos comandos estão hoje fragmentados por dez partidos. Em dezessete deles, o ocupante do cargo não pode disputar a reeleição, o que facilita a luta pela mudança de cenário. Para obter sucesso, no entanto, é imprescindível que as forças políticas levem a cabo uma delicada e ampla construção de palanques pelo território nacional. Faltando pouco mais de um ano para a eleição, porém, o que se vê é muita incerteza na maior parte do país.

DIFICULDADE - Pacheco: nome de Lula em Minas, enfrenta resistência no PSD
DIFICULDADE - Pacheco: nome de Lula em Minas, enfrenta resistência no PSD (Ricardo Stuckert/PR)

Um dos motivos é a arrastada saída de cena do ex-presidente Jair Bolsonaro. Fora das urnas em 2026, ele ainda tem popularidade para influir na eleição, mas a prisão domiciliar a que está submetido e as suas condições de saúde dificultam a participação mais efetiva na vida política e travam negociações nos estados. Um exemplo é Pernambuco. A governadora Raquel Lyra (PSD), embora cultive boa relação com Lula, tem margem para negociar uma rede de apoios com espectro político mais amplo. A candidata à reeleição, no entanto, não tem clareza sobre quem será seu vice nem quais nomes poderão concorrer ao Senado na sua chapa. Enquanto espera que Lula seja neutro na disputa com o prefeito do Recife, João Campos (PSB), ela não descarta o apoio do bolsonarismo, algo que está longe de ser consumado, porque o PL local não sabe qual caminho tomar no estado.

O principal exemplo de indefinição, porém, está no maior colégio eleitoral do país. Em São Paulo, a perspectiva de Tarcísio de Freitas ser o herdeiro de Bolsonaro no plano nacional e não disputar a reeleição já movimenta uma corrida nos bastidores de postulantes a suceder-lhe no Palácio dos Bandeirantes. A opção natural seria o vice-governador Felicio Ramuth, do PSD, mas as apostas mais quentes do momento giram em torno de outras alternativas. Um nome em ascensão é André do Prado, presidente da Assembleia Legislativa. Ele conta com a simpatia do governador e tem apoio de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, que é o seu partido. O prefeito paulistano, Ricardo Nunes, do MDB, também tenta se viabilizar. Ele aparece mais bem posicionado nas pesquisas, mas é considerado fraco junto ao eleitorado do interior do estado.

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ESTRATÉGIA - Silas Malafaia e Paes: pragmatismo deve dar o tom no Rio (Reprodução/Youtube)

Se a eventual ausência de Tarcísio do páreo paulista cria uma lacuna para a direita, abre uma avenida para o outro lado. Reticente a tentar um quinto mandato como governador, o vice-­presidente Geraldo Alckmin (PSB) pode se sentir mais animado a entrar na disputa. Também crescem as chances do ministro Márcio França (PSB) e, eventualmente, do ministro Fernando Haddad, igualmente reticente (ele foi derrotado por Tarcísio em 2022). O grupo ganhou nos últimos dias a companhia da ministra Simone Tebet (MDB), cada vez mais tratada como candidata a uma vaga ao Senado por São Paulo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também é cotada para concorrer (leia a entrevista na pág. 7). Com a quase certa ausência do favorito Eduardo Bolsonaro (PL), também fica aberta a disputa pelas duas vagas no Legislativo, ainda mais se o ex-ministro Ricardo Salles (Novo), quarto deputado mais votado em 2022 e hoje pré-candidato ao Senado, decidir disputar o governo, como tem afirmado que fará se Tarcísio não for para a reeleição.

O cenário turvo marca não só São Paulo, mas também Minas Gerais e Rio de Janeiro, o “trio de ferro” dos maiores colégios eleitorais do país. Nos três, todos governados pela direita, Lula, sem opções viáveis no PT, abraçou candidaturas de centro, longe do ideário de esquerda, mas identificadas com o que o petista chama de “campo democrático”, ou seja, que não reza pela cartilha do bolsonarismo. Além de Alckmin em São Paulo, Lula vai apoiar o prefeito Eduardo Paes no Rio de Janeiro e incentiva o senador Rodrigo Pacheco a se lançar em Minas Gerais, estado que o presidente já visitou nove vezes só neste ano. Os palanques do Sudeste são estratégicos para a campanha do petista à reeleição. “Lula está preocupado em marcar as ações do governo nesses estados e espera fortalecer determinado campo, que deverá estar com ele na disputa do ano que vem”, afirma o senador Humberto Costa, ex-presidente do PT.

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DESAFIANTE - ACM Neto: direita lidera na Bahia, governada pelo PT desde 2007 (Reprodução/Instagram)

As perspectivas são de embates complicados, mesmo com os governadores Romeu Zema (Minas Gerais) e Cláudio Castro (Rio de Janeiro) não podendo disputar a reeleição. No Rio, Paes lidera as pesquisas com vantagem, contando com o apoio de Lula, mas mantendo diálogo com setores conservadores, como fez ao ir, no domingo 14, a um culto evangélico para a celebração do aniversário do pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro. “Mexeu com Silas, mexeu comigo”, disse Paes na ocasião, em referência à investigação da PF que tem o pastor como alvo por tentativa de obstrução da Justiça. Do lado bolsonarista, impera a incerteza. Entre os cogitados estão o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União Brasil), e o ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis (MDB).

Em Minas, estado-pêndulo desde o fim da ditadura (quem vence lá chega ao Planalto), Pacheco enfrenta dificuldades no PSD. O partido faz parte da base de Zema e pode filiar o vice-governador Mateus Simões (Novo) para representar a direita na disputa ao governo. “Existe um diálogo com Pacheco, mas ainda não sabemos se será esse o caminho. Ele deu sinais claros de interesse, mas precisamos aguardar o PSD”, diz a deputada estadual Leninha, presidente do PT mineiro. Ainda à direita, são cogitados o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) e o deputado Nikolas Ferreira (PL). Mais ao centro, cresce o burburinho em torno dos nomes do ex-prefeito Alexandre Kalil (PDT) e do deputado Aécio Neves (PSDB).

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ROMARIA - Sergio e Rosangela Moro: caravana pelo Paraná em busca de votos (Reprodução/Instagram)

A construção pragmática de palanques é questão de sobrevivência para Lula. Sem contar com o apoio formal de siglas como União Brasil, PP, Republicanos e PSD, que flertam com a oposição, o petista joga para tentar atrair caciques desses partidos nas composições locais. A ideia é neutralizar forças crescentes de centro-direita, como a federação formada entre o União Brasil e o PP. “O governo tem como fazer erodir essas grandes articulações oposicionistas no varejo, atraindo lideranças regionais”, diz a cientista política Mayra Goulart, da UFRJ.

Há outras regiões eleitoralmente importantes abertas à disputa, como o Nordeste. Na última eleição, o petista teve 67% dos votos ante 27% de Bolsonaro na região, mas, em pesquisa de agosto do Paraná Pesquisas, Lula aparece com 45,6% das intenções de voto ante 28,1% do ex-presidente. Na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país e governado pelo PT desde 2007, Lula teria 44% ante 30,1% de Bolsonaro — em 2022, o petista teve 70% dos votos baianos ante 24% de Bolsonaro. A hegemonia petista no estado, que já dura cinco mandatos, pode estar em risco, já que pesquisas apontam a liderança do ex-­prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil) contra o governador Jerônimo Rodrigues (PT).

Outro desafio para Lula é a região Sul, onde fica um dos estados mais bolsonaristas do país, Santa Catarina, e há outros dois comandados por presidenciáveis de oposição: Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e Ratinho Junior (Paraná). Em solo gaúcho, há chance de a sigla apoiar a ex-deputada estadual Juliana Brizola (PDT) ao governo, com o ex-deputado Edegar Pretto (PT) de vice. A articulação visa a uma ampla frente para se contrapor à direita, que deve se organizar em torno da candidatura ao governo de Luciano Zucco (PL), líder da oposição na Câmara, com os deputados Ubiratan Sanderson (PL) e Marcel van Hattem (Novo) ao Senado, ambos da tropa de choque bolsonarista no Congresso. “As diferenças na esquerda são pequenas perto do grande desafio de reeleger Lula, defender a democracia e a soberania, e combater o ódio e o extremismo”, diz o presidente do PT-RS, deputado estadual Valdeci Oliveira.

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TRIO - Van Hattem, Sanderson e Zucco: chapa encaminhada no Rio Grande do Sul (Reprodução/Instagram)

No Paraná, o que não falta é favoritismo da direita em contraposição à ampla dificuldade da esquerda. As pesquisas recentes apontam o senador Sergio Moro (União Brasil) na liderança, com percentuais em torno de 40%, mas nem por isso sua vitória seria fácil. Ele terá de enfrentar concorrência até dentro da própria “República de Curitiba” lavajatista, com a candidatura do vice-­prefeito da capital, Paulo Eduardo Martins, apoiado pelo ex-procurador Deltan Dallagnol, ambos do Novo. Mas o maior adversário virá das fileiras de Ratinho Junior, que, com popularidade acima de 85% e um projeto presidencial, deve alavancar seu candidato ao governo — por ora, os cotados são o secretário de Cidades, Guto Silva, o ex-­prefeito da capital Rafael Greca e o presidente da Assembleia Legislativa, Alexandre Curi, todos do PSD. Já na esquerda, o PT saiu da disputa interna deste ano rachado ao meio entre os grupos de Zeca Dirceu e Gleisi Hoffmann, ambos de olho no Senado — o nome ao governo deve ser o do diretor-geral da Itaipu Binacional, Enio Verri, que não alcança dois dígitos em pesquisas.

Uma das maiores democracias do mundo, com 155 milhões de pessoas aptas a votar, o Brasil vai para sua décima eleição presidencial após o fim da ditadura para escolher presidente, governadores e renovar o Congresso. No horizonte, há muitas dúvidas sobre para onde irá um eleitorado transformado pelos acontecimentos dos últimos anos, em especial pela radicalização política. As disputas estaduais de 2026 prometem grandes emoções para os candidatos a governador — e também para os presidenciáveis.

Com Veja

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