Na noite de quarta-feira 20, em Brasília, um jantar organizado por Antonio Rueda teve como pretexto a celebração da federação entre o partido que ele preside (o União Brasil) e o PP para formar a União Progressista, o maior agrupamento de direita do país, com 110 deputados e quinze senadores, as maiores bancadas nas duas Casas. A pauta principal, no entanto, foram as eleições de 2026. Nas mesas estavam os presidentes de cinco siglas: Rueda, Ciro Nogueira (PP), Valdemar Costa Neto (PL), Gilberto Kassab (PSD) e Baleia Rossi (MDB). Circulando com desenvoltura, dois presidenciáveis: os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Tarcísio de Freitas (São Paulo). E havia uma grande ausência: nenhum membro do clã Bolsonaro estava presente, embora o pano de fundo fosse exatamente a discussão sobre quem, afinal, vai herdar o espólio da direita no ano que vem. O ex-presidente reluta em passar o bastão a algum candidato porque precisa negociar todo apoio político possível no momento em que chega ao final o processo em que é acusado de tentativa de golpe de Estado — o julgamento será entre 2 e 12 de setembro.
O evento da União Progressista em Brasília foi o ponto alto de uma semana em que a oposição se movimentou como nunca no cenário pré-eleitoral. Todos os cinco governadores que postulam o espaço deixado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível, em prisão domiciliar e alvo de novo indiciamento pela PF, ampliaram suas agendas e foram a encontros que discutiram o momento do país, suas perspectivas e o cenário eleitoral, com um tom cada vez maior de crítica ao governo Lula. “Esta é uma safra de governadores comprometidos, modernos e honestos, que simbolizam o melhor que a política brasileira pode oferecer”, afirmou Caiado em evento do banco BTG Pactual para discutir o agro em São Paulo, ao lado de Tarcísio de Freitas, Ratinho Junior (Paraná) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul).

No ato da União Progressista em Brasília, o governador paulista foi uma das estrelas. “Tenho certeza que o Brasil aguardava muito esse passo (a federação), aguardava com a esperança de contar com mais uma força para discutir temas relevantes, como a reforma política, o envelhecimento da população, o financiamento do SUS, a escalada da crise fiscal”, disse Tarcísio, listando temas nacionais. Na pesquisa divulgada pela Quaest na quinta-feira 21, ele é quem aparece mais bem posicionado, 8 pontos atrás de Lula em um eventual segundo turno (35% a 43%), melhor até que Bolsonaro ou qualquer membro do clã (veja o quadro). Lula, que vem recuperando parte da popularidade com ajuda do imbróglio das sanções de Donald Trump, passou a ser criticado em um tom cada vez mais forte. “O Brasil não aguenta mais o PT. O Brasil não aguenta mais o Lula”, afirmou o governador de São Paulo no evento.

A boa vontade com Tarcísio em Brasília, no entanto, não encontra eco na família Bolsonaro. Diante da movimentação na direita, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) foi ao ataque, não sem antes avisar que havia tentado “ser a pessoa mais paciente possível diante desses chamados ‘governadores democráticos’”. “A verdade é dura: todos vocês se comportam como ratos, sacrificam o povo pelo poder e não são em nada diferentes dos petistas que dizem combater. Limitam-se a gritar ‘fora PT’, mas não entregam liderança, não representam o coração do povo. Querem apenas herdar o espólio de Bolsonaro, se encostando nele de forma vergonhosa e patética”, disse no X. O post foi compartilhado por Eduardo Bolsonaro, que já havia criticado Tarcísio por ele ter tentado negociar o tarifaço de Donald Trump, em vez de brigar pela exigência feita pelo presidente americano de anular os processos contra seu pai. Nada parecido, no entanto, com o que veio à tona na quinta, após a divulgação pela PF do relatório em que pede o indiciamento de Bolsonaro e Eduardo por obstrução de Justiça. No documento, há prints de conversas entre ambos no qual o filho Zero Três é duro com o governador. “A narrativa de Tarcísio te sucedendo, que já há acordo para isto, está muito forte. Precisamos segurar isso para nos mantermos vivos aqui”, diz em uma mensagem ao pai. “Só para te deixar ciente: Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo você se f… e se aquecendo para 2026”, afirma em outra mensagem.
A estratégia camicase adotada por Eduardo em seu autoexílio nos EUA praticamente enterrou suas chances de ser candidato em 2026. Ele chegou a ser apontado como uma alternativa ao pai, mas agora é pouco provável até que volte ao Brasil. Além disso, seu nome enfrenta resistência entre políticos do Centrão. Uma alternativa seria o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), tido como mais palatável no meio político, mas ele não tem se movimentado e sua estreia na pesquisa Quaest não foi animadora: está 16 pontos atrás, a maior desvantagem entre os postulantes. O nome mais competitivo do clã continua sendo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que está 13 pontos atrás do petista. Ela tem sido a única da família a se movimentar pelo país. Em Natal, no sábado 16, durante evento do PL, também subiu o tom contra Lula ao chamá-lo de “pinguço” e “cachaceiro” em discurso.

A movimentação em alta mostra que, dificilmente, a direita terá um único nome nas urnas em 2026 — pelo menos no primeiro turno. Um dos motivos é que incorporar a família Bolsonaro e suas prioridades a um outro projeto da direita é, hoje, um grande desafio. Em entrevista a VEJA, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse acreditar que o primeiro turno deverá ter vários candidatos, mas que todos vão se unir em torno do nome que chegar ao segundo turno contra Lula. A ideia é abraçada por Zema e Caiado, que já se lançaram na corrida. “Cada partido busque seu candidato, mostre seu potencial, se coloque na pista: quem tiver mais competência chega ao segundo turno, e vamos bater o Lula”, opinou Caiado. Assim, o principal desenho que vai se formando é de um primeiro turno disputado entre candidatos de direita, todos atacando Lula e tentando provar ao eleitor que é a melhor escolha para ir ao embate final. “A tendência é ter vários nomes que consigam distribuir votos em proporções mais ou menos iguais numa disputa para a próxima etapa. As atitudes do Carlos, do Eduardo, de toda a família Bolsonaro pouco contribuem para uma unidade futura”, avalia Rui Tavares Maluf, doutor em ciência política pela USP.

Esse duelo particular entre a direita em um eventual primeiro turno pode servir para os candidatos explorarem suas nuances. Zema, por exemplo, tem assumido todas as bandeiras bolsonaristas. No lançamento de sua pré-candidatura, em São Paulo, a tônica foi o “fora PT”, pedidos de anistia ao 8 de Janeiro e do impeachment do ministro Alexandre de Moraes. A estratégia de Zema, que está no menor partido (Novo), visa conquistar os votos de Bolsonaro mesmo sem o apoio declarado dele. O movimento, no entanto, tem isolado o mineiro, que não contou com a presença de nenhum governador no seu evento e não estava no lançamento da União Progressista.
Já outros postulantes da direita preferem se apresentar como pré-candidatos, mas sem apelar para o discurso antipetista como estratégia prioritária — pelo menos em um primeiro momento. Ratinho Jr. busca mostrar resultados positivos de seu governo no Paraná, aprovado por 80% dos eleitores, segundo o Paraná Pesquisas. Na última semana, ele reduziu o IPVA do estado em 46%, o que transformou o imposto cobrado no Paraná no menor do país. Também tem mostrado bons números em educação, emprego, investimentos em infraestrutura e privatizações. Já Eduardo Leite (PSD) se declara menos “anti-PT” e mais como um candidato a liderar “um projeto para libertar o país da polarização que tanto tem prejudicado o Brasil”.

A caminhada da direita não será livre de obstáculos. O potencial de confusão política envolvendo o nome de Bolsonaro é inesgotável, ainda mais porque sua quase certa condenação irá se desenrolar ao mesmo tempo que a direita tenta se organizar. A batalha também pode ser difícil porque o adversário mostra alguma reação, embalada pelo tiro no pé do tarifaço articulado por Eduardo Bolsonaro. Segundo a Quaest, Lula não só melhorou sua avaliação (embora seja desaprovado ainda por 51% dos entrevistados), como ampliou a distância para todos os potenciais adversários. Mas ele também terá muitas dificuldades em seu governo, e o desempenho até aqui não estimula expectativas muito positivas. O que não vai faltar, ao que parece, será adversário para expor seus muitos erros.
Com Veja